22 de jan. de 2010

Série - Biografia dos Herois da Fé - John Wycliffe

Arauto da Reforma Protestante

No século XIV surgiu na Inglaterra um homem que devia ser considerado " a estrela da manhã da Reforma Protestante ". John Wycliffe foi o arauto da Reforma, não somente para Inglaterra mas para toda a cristandade. O grande protesto contra Roma, que lhe foi dado proferir, jamais deveria silenciar. Aquele protesto abriu a luta que deveria resultar a emancipação de indivíduos, igrejas e nações.

Wycliffe recebeu educação liberal, e para ele o temor do Senhor era o princípio da sabedoria. No colégio se distinguira pela fervorosa piedade bem como pelos seus talentos e perfeito preparo escolar. Em sua sede de saber procurava familiarizar-se com todo ramo de conhecimento. Foi educado na filosofia escolástica, nos cânones da Igreja e na lei civil, especialmente do seu próprio país. Em seus trabalhos subseqüentes evidencio-se o valor desses primeiros estudos. Um conhecimento proficiente da filosofia especulativa de seu tempo, habilitou-o a expor os erros dela; e, mediante o estudos das leis civis e eclesiásticas, preparou-se para entrar na grande luta pela liberdade civil e religiosa. Não só sabia manejar as armas tiradas da Palavra de Deus, mas também havia adquirido a disciplina intelectual das escolas e compreendia a tática dos teólogos escolásticos. O poder de seu gênio e a extensão e proficiência de seus conhecimento impunham o respeito de amigos bem como de inimigos. Seus adeptos viam com satisfação que seu herói ocupava lugar preeminente entre os espíritos dirigentes da nação; e seus inimigos eram impedidos de lançar o desprezo à causa da Reforma, exprobrando a ignorância ou fraqueza do que a mantinha.

Quando ainda no colégio, Wycliffe passou a estudar as Escrituras Sagradas. Naqueles primitivos tempos em que a Bíblia existia apenas nas línguas antigas, os eruditos habilitados a encontrar o caminho para a fonte da verdade, o qual se achava fechado as classes incultas. Assim já fora preparado o caminho para o trabalho futuro de Wycliffe como Reformador.

Semelhante aos reformadores posteriores, Wycliffe não previu, ao iniciar a sua obra, até onde ela o levaria. Não se opôs deliberadamente a Roma. A dedicação à verdade, porém, não poderia senão levá-lo a conflito com a falsidade. Quanto mais claramente discernia os erros de papado, mais fervorosamente apresentava os ensinos da Escritura Sagrada. Via que Roma abandonara a palavra de Deus pela tradição humana; destemidamente acusava o sacerdócio de haver banido as Escrituras, e exigia que a Bíblia fosse devolvida ao povo e de novo estabelecida sua autoridade na Igreja. Wycliffe era ensinador hábil e ardoroso, eloqüente pregador, e sua vida diária era uma demonstração das verdades que pregava. O conhecimento das Escrituras, a força de seu raciocínio, a pureza de sua vida e sua coragem e integridade inflexíveis conquistaram geral estima e confiança. Muitas pessoas se haviam tornado descontentes com sua fé anterior, ao verem a iniqüidade na Igreja de Roma, e saldaram com incontida alegria as verdades expostas por Wycliffe; mas os dirigentes papais encheram-se de raiva quando perceberam que ente reformador conquistava maior influência que a deles mesmos.

Wycliffe começou a escrever e publicar folhetos contra os frades, porém não tanto procurando entrar em discussão com eles como despertando o espírito do povo aos ensinos da Bíblia e seu Autor. Ele declarava que o poder do perdão o excomunhão não possuía o papa em maior grau do que os sacerdotes comuns, e que ninguém pode ser verdadeiramente excomungado a menos que primeiro haja trazido sobre si a condenação de Deus. De nenhuma outra maneira mais eficaz poderia ele ter empreendido a demolição da gigantesca estrutura de domínio espiritual e temporal que o papa erigira, e em que alma e corpo de milhões se achavam retidos em cativeiro.

De novo foi Wycliffe chamado para defender os direitos da coroa inglesa contra as usurpações de Roma; e. sendo designado embaixador real, passou dois anos na Holanda, em conferência com os emissários de papa. Ali entrou em contato com eclesiásticos da França, Itália e Espanha, e teve oportunidade de devassar os bastidores, e informar-se de muitos fatos que lhe teriam permanecido em oculto na Inglaterra. Aprendeu muitas coisas que o orientariam em seus trabalhos posteriores. Naqueles representantes da corte papal lia ele o verdadeiro caráter e objetivos da hierarquia. Voltou para Inglaterra a fim de repetir mais abertamente e com maior zelo seus ensinos anteriores, declarando que a cobiça, o orgulho e o engano eram os deuses de Roma.

Os trovões papais logo se desencadearam contra ele. Três bulas foram expedidas para a Inglaterra : para universidade, para o rei e para os prelados, ordenando todas as medidas imediatas e decisivas para fazer silenciar o ensinador de heresias. Antes da chegada das bulas, porém, os bispos em seu zelo, intimaram Wycliffe a comparecer perante eles para o julgamento. Entretanto, dois dos mais poderosos príncipes do reino o acompanharam ao tribunal; e o povo, rodeando o edifício e invadindo-o, intimidou de tal maneira os juízes que o processo foi temporariamente suspenso, sendo-lhe permitido ir-se em paz. Um pouco mais tarde faleceu Eduardo III, a quem em sua idade avançada os prelados estavam procurando influenciar contra o reformador, e o anterior protetor de Wycliffe tornou-se regente do reino.

Mas a chegada das bulas papais trazia para toda a Inglaterra a ordem peremptória de prisão e o encarceramento do herege. Estas medidas indicavam de maneira direta a fogueira. Parecia certo que Wiclef logo deveria cair vítima da vingança de Roma. Mas aquele que declarou outra outrora para alguém: " Não temas ....Eu sou teu escudo " ( Gn 15:1 ), de novo estendeu a mão para proteger seu servo. A morte veio, não para o reformador, mas para o pontífice que lhe decretara destruição. Gregório XI morreu, e dispersaram-se os eclesiásticos que se haviam reunidos para o processo de Wiclef.



A providência de Deus encaminhou ainda mais os acontecimentos para dar ainda mais oportunidade ao desenvolvimento da Reforma. A morte de Gregório foi seguida da eleição de dois papas rivais. Dois poderes em conflito, cada um se dizendo infalível, exigiam agora obediência. Cada qual apelava para os fiéis afim de o ajudarem a fazer guerra contra o outro, encarecendo suas exigências com terríveis anátemas contra os adversários e promessas de recompensas no Céu aos que o apoiavam. Esta ocorrência encareceu grandemente o poderio do papado. Crimes e escândalos inundavam a igreja. Nesse ínterim, o reformador, no silencioso retiro de sua paróquia de Luttreworth, estava trabalhando diligentemente para, dos papas contendores, dirigir os homens a Jesus, o Príncipe da paz.

Wycliffe, a exemplo de seu Mestre, pregou o evangelho aos pobres. Não contente com só espalhar a luz nos lares humildes em sua paróquia de Lutterworth, concluiu que ela deveria ser levada a todas as pastes da Inglaterra. Para realizar isso organizou um corpo de pregadores, homens simples e dedicados, que amavam a verdade e nada desejavam tanto como o propagá-la. Estes homens iam por toda parte, ensinando nas praças, nas ruas das grandes cidades e nos atalhos do interior.

Como professor de teologia em Oxford, Wycliffe pregou a Palavra de Deus nos salões da universidade. Tão fielmente apresentava ele a verdade aos estudantes sob sua instrução, que recebeu o título de " Doutor do Evangelho ". Mas a maior obra de sua vida deveria ser a tradução das Escrituras para a língua inglesa. Num livro, exprimiu a intenção de traduzir a Bíblia, de maneira que todos na Inglaterra pudessem ler, na língua materna, as maravilhosas obras de Deus.

Subitamente, porém, interromperam-se as suas atividades. Posto que não tivesse ainda sessenta anos de idade, o trabalho incessante, o estudo e os assaltos dos inimigos haviam posto à prova suas forças, tornando prematuramente velho. Foi atacado de perigosa enfermidade. A notícia disto proporcionou grande alegria aos frades. Pensavam então que se arrependeria amargamente do mal que tinha feito à Igreja e precipitaram a seu quarto para ouvir-lhe a confissão. Representantes das quatro ordens religiosas, com quatro oficias civis, reuniram-se ao redor do suposto moribundo. " Tendes a morte em vossos lábios, diziam; " comovei-vos com as vossas faltas, e retratai em nossa presença tudo o que dissestes para ofensa nossa ", continuavam . O reformador ouviu em silêncio; mandou então seu assistente levantá-lo no leito e, olhando fixamente para eles enquanto permaneciam esperando a retratação, naquela voz firme e forte que tantas vezes os haviam feito tremer, disse: " Não hei de morrer, mas viver, e novamente denunciar as más ações dos frades " . Espantados e confundidos, saíram os monges apressadamente do quarto. Cumpriram-se as palavras de Wycliffe. Viveu a fim de colocar nas mão de seus compatriotas a mais poderosa de todas as armas contra Roma, isto é, dar-lhes a Escritura Sagrada, o meio de indicado pelo Céu para libertar, esclarecer e evangelizar o povo.

Conclui-se, por fim, o trabalho: a primeira tradução inglesa que já se fizera da Escritura Sagrada. A palavra de Deus estava aberta para a Inglaterra. O reformador não temia agora prisão ou fogueira, Colocara nas mãos do povo inglês uma luz que jamais se extinguiria. Dando a seus compatriotas, fizera mais no sentido de quebrar os grilhões da ignorância e do vício, mais para libertar e enobrecer seu país, do que já se conseguira pelas mais brilhantes vitórias nos campos de batalha.

Novamente os chefes papais conspiraram para fazer silenciar a voz do reformador. Perante três tribunais foi ele sucessivamente chamado a juízo, mas sem proveito. Primeiramente um sínodo de bispos declarou heréticos os seus escritos e, ganhando o jovem rei Ricardo II para seu lado, obtiveram um decreto real sentenciando à prisão todos os que professassem as doutrinas condenadas. Wycliffe apelou para o parlamento, que despertado pelos seus estímulos, repeliu o edito perseguidor. Porém , pela terceira vez foi chamado a julgamento, e agora perante o mais elevado tribunal eclesiástico do reino. Mas Wycliffe, não se retratou. Destemidamente sustentou seus ensino e repeliu as acusações de seus perseguidores. Sentiu-se o poder do Espírito Santo na sala do concílio. Os ouvintes ficaram como que fascinados. Pareciam como que não haver forças para deixar o local. Como setas da aljava do Senhor, as palavras do reformador penetravam-lhes a alma. Assim sendo, retirou-se da assembléia e nenhum do seus adversários tentou impedi-lo.

A obra de Wycliffe estava quase terminada; a bandeira da verdade que durante tanto tempo empunhara, logo lhe deveria cair da mão; mas, uma vez mais, deveria ele dar testemunho do evangelho. A verdade devia ser proclamada do próprio reduto do reino do erro. Wycliffe foi chamado a julgamento perante o tribunal papal de Roma, o qual tantas vezes derramara o sangue dos santos. Não ignorava o perigo que o ameaçava; contudo, teria atendido à chamada se um ataque de paralisia lhe não houvesse tornado impossível efetuar a viagem. Mas, se bem que sua voz não devesse ser ouvida em Roma, poderia falar por carta, e isto se decidiu a fazer. De sua reitoria o reformador escreveu uma carta que, conquanto respeitosa nas expressões e cristã no espírito, era incisiva censura à pompa e orgulho da sé papal. Wycliffe esperava plenamente que sua vida seria o preço de sua fidelidade. O rei, o papa e os bispos estavam reunidos para levá-lo a ruína, e parecia certo que, quando muito, em alguns poucos meses o levariam à fogueira. Mas Deus, em sua providência, ainda escudou a seu servo. O homem que durante toda a vida permanecera ousadamente na defesa da verde, diariamente em perigo de vida, não deveria cair vítima do ódio de seus adversários. Wycliffe nunca procurara escudar-se a si mesmo, mas o Senhor lhe fora o protetor; e agora quando seus inimigos julgavam segura a presa, a mão de Deus o removeu para além de seu alcance. Em sua igreja, em Lutterworth, na ocasião em que ia ministrar a comunhão, caiu atacado de paralisia, e em pouco tempo rendeu a sua vida.

Wycliffe saíra das trevas da Idade Média. Ninguém havia que tivesse vivido antes dele, por meio de cuja obra pudesse modelar seu sistema de reforma. Suscitado como João Batista para cumprir uma missão especial, foi ele o arauto de uma nova era. Contudo, no sistema de verdade que apresentava, havia uma unidade e perfeição que os reformadores que o seguiram não excederam e alguns não atingiram, mesmo cem anos mais tarde. Tão amplo e profundo foi posto o fundamento, tão firme e verdadeiro foi posto o arcabouço, que não foi necessário serem reconstruídos pelos que depois dele vieram.

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